SE EU FOSSE ARABELLA | Dois mil e quinze


Analiso o calendário pendurado na porta do guarda-roupa e passo o dedo pelos dias restantes, parece que foi ontem que o ano começou. Agora, falta pouco para que os fogos estourem anunciando a entrada do novo ano. Falta pouco para que um novo ciclo se inicie e eu sempre fui apaixonada por começos, por essa ideia de que depois de doze meses tudo se renova e a vida nos dá uma segunda chance. Sempre amei janeiro, como eu sempre amei os primeiros capítulos dos livros e o começo das novelas e as segundas-feiras, isso não é novidade, a diferença é que desta vez eu também estou a amar o final. Logo eu, que sempre detestei fechar ciclos, que vivo falando mal dos domingos e não aprendi a escrever últimos parágrafos. Logo eu, que não assisto a última semana da novela e nunca termino uma série; eu que sempre preferi as vírgulas aos pontos finais e não sei me despedir de uma história. Eu, que nunca gostei de dezembro, nunca abracei o dia 31 e nem me empolguei com a mudança de ano. Logo eu, que sempre fugi do último dia do ano, estou a contar os dias para vê-lo chegar.

Volto as folhas do calendário até chegar em janeiro. Doze meses. É tempo para tudo e ao mesmo tempo para nada. Passaram a voar, mas também passaram devagarinho como se estivessem a tentar durar para sempre. Dois mil e quinze foi um desses anos difíceis de classificar, porque ele não quis saber de ser meio termo, nasceu cheio de vontades, sem ter medo de mostrar para o que veio. E ele mostrou. Foi mau, mas também foi bom, foi longo, mas também foi curto, e será inesquecível, disso eu tenho certeza. Será inesquecível porque em meio de tanta crise eu estou saindo com saldo positivo, e não é da minha conta bancária que eu estou a falar. Quando o primeiro raio de sol surgiu numa quinta-feira, de certa forma, eu já sabia que muita coisa ia acontecer. E foi acontecendo, dia após dia, semana após semana, de forma tão leve que as mudanças mal podiam ser notadas. Fui me livrando de bagagens que não eram minhas e que eu não precisava carregar. Fui me livrando de pessoas que não eram minhas e que eu não precisava carregar. E a viagem foi ficando mais leve, os meses vieram e com eles eu fui percebendo que alguma coisa estava diferente, demorei para descobrir que não era o mundo que tinha mudado, era eu. Era a minha forma de enxerga-lo.

Dizem que precisamos cair várias vezes para aprendermos a levantar nos. Eu discordo. Precisamos cair, sim, mas é para aprender a andar direito. A verdade é que levantar é fácil, todo mundo consegue com um pouquinho de esforço e um pouco de técnica, difícil é não cair de novo, é saber reconhecer o terreno que estás a pisar e mudar de trilha quando sabes que não vai acabar bem. Eu não aprendi a levantar me — isso eu sempre soube, depois de uns tombos fica fácil descobrir como é que fazemos para nos reerguer. Eu aprendi a não cair. Ou melhor: a evitar quedas desnecessárias, porque cair, meu caro, sempre vamos cair. Eu aprendi a desviar me de areias movediças, a saltar de penhascos e a evitar as pedras. Eu aprendi, mas não foi fácil. Nunca é. Tombei com incontáveis crateras no meio do caminho e foi impossível não cair em algumas delas, mas depois de ir ao fundo do poço tantas vezes e voltar para cair de novo, eu entendi que enquanto a gente não entende o porquê está lá a vida que sempre dá um jeito de nos empurrar de volta.

Eu precisei lidar com os meus problemas, precisei tirar a poeira debaixo do tapete e arrumar toda a minha confusão. Não dava mais para deixar para amanhã, eu precisava fazer isto para ontem. Tive que colocar o dedo na ferida e mexer até o sangre estancar e ela virar uma cicatriz pequenininha e desaparecer para sempre, deixando só uma marquinha, daquelas que ficam para que tu não te esqueças que algumas coisas podem magoar. Então, depois de chegar na raiz do problema e ficar de frente com o que doía, eu estava de volta, novamente, firme e forte, para caminhar um pouco mais. Não é tão mau quanto parece, acabamos por descobrir que remediar a dor não faz doer menos, às vezes só temos que sentir até acabar. E eu senti. E acabou. E o ano foi perdendo as folhas sem que eu pudesse perceber o que estava a se aproximar. Agora eu sei, e não me importa, porque não é o fim. Nem o começo. É só a minha continuação. Hoje eu entendo que 2016 só vai me trazer coisas boas porque tive este dois mil e quinze. No fundo não é o ano, nem quando é bom e nem quando é mau, somos sempre nós.

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